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  • Foto do escritorCelice Gomes Carmo Oliveira Scóz

Stalking e Ciberstalking: da Curiosidade à Perseguição

Em tempos em que a tecnologia e o virtual se fazem cada vez mais presentes em nossas vidas, vale a pena estar atento a um fenômeno que encontra na internet um dos seus principais facilitadores



Perseguição obsessiva





Disponível na Netflix, a série YOU traz à tona um assunto que vem ganhando cada vez mais repercussão: o stalking. Expressões derivadas, como stalkear e stalkeado, tornaram-se muito populares.


Mas o que vem a ser o stalking?


Na série, nos deparamos com a história de Joe Goldberg, gerente de uma livraria, que desenvolve uma obsessão por uma de suas clientes, a escritora Guinevere Beck.


Tomado por tal obsessão, Joe não mede esforços em busca de seu objeto de desejo, dando início a uma verdadeira investigação sobre a vida de Beck, munindo-se de todas as informações possíveis que irão permitir a aproximação de seu alvo. 


A atuação de Joe é insidiosa: ele vai se aproximando de sua vítima sem que ela perceba o comportamento doentio de seu perseguidor.


O gerente Joe, através de informações estratégicas, forja encontros fortuitos e “coincidências”, passando a simular até mesmo uma personalidade que seria mais atrativa à vítima, considerando já conhecer os gostos e preferências de Beck


Estamos, pois, diante do típico stalker, aquele que pratica o stalking.


Como ocorre o stalking


A expressão stalking tem origem no verbo inglês to stalk, que se traduz por perseguir.


Na verdade, é um terno afeito à caça, pois traz ínsita a ideia da busca incessante do predador à presa.


Inicialmente, foi usado para descrever o comportamento de alguns fãs que perseguiam obsessivamente seus ídolos (recentemente, a cantora Ariana Grande necessitou pedir proteção judicial contra um fã alucinado). 


Porém, a realidade nos mostra que o fenômeno não se detém a tal nicho e, ao revés, revela que é cada vez mais comum pessoas terem sua intimidade devassada e serem vítimas de uma série de incômodos e até mesmo violências perpetradas por sujeitos que decidem persegui-las, motivados pelos mais diversos fatores, que vão desde admiração, passando por paixões não correspondidas e até mesmo pelo ódio.


O stalking acontece das mais diversas formas. Como sinala Bruno Bottiglieri, no livro Stalking (edição do Kindle), na prática, o evento poderá se manifestar por: perseguição no trabalho, na rua, em casa, em redes sociais, inúmeras mensagens, cartas ou presentes enviados ao mesmo destinatário, inúmeras ligações, repetidas injúrias, espera de passagem nos lugares que frequenta, ofensas, difamações ou declarações em locais públicos para uma pessoa, dentre muitas outras.


Não é necessário que estas visitas e perseguições sejam acompanhadas de agressões físicas, pois a intenção do agente é estar próximo de sua vítima e, muitas vezes, reatar um relacionamento. É a sua presença rotineira e insidiosa que desperta o incômodo.



Internet: sirva-se, stalker!


Voltando à história da série: e como Joe obtém as informações a respeito de Beck?


Basicamente, pela internet. E aqui chegamos ao  fator responsável por facilitar o modus operandi do stalker. A revolução tecnológica e digital, que perpassa pelos mais diversos setores da nossa vida, nos torna refém das informações que, deliberadamente (ou não) disponibilizamos na rede.


Essa forma de stalking, perpetrado através da internet, é chamada de ciberstalking. É de se reconhecer, portanto, que o stalking, em sua forma virtual, é mais comum em nossa atual realidade.


Pode-se afirmar, inclusive, que atualmente as duas formas  se misturam, já que o stalker pode, após obter as informações na rede, dar início à perseguição “física”.


E se você pensa que o stalker se vale usualmente de meios ilícitos para obter informações, tal qual um hacker, está completamente equivocado. Na imensa maioria dos casos, a atuação do stalker é apenas uma atividade basicamente investigativa, na qual consegue dados que são voluntariamente fornecidas pelo seu alvo.


E aqui cabe falar de uma das principais técnicas de obtenção de informações: a engenharia social.



Engenharia social: me conte, sou todo ouvidos (e olhos)!


A engenharia social consiste em técnicas de obtenção de informações através de dados fornecidos pela própria pessoa.


Ou seja, o engenheiro social vale-se de procedimentos, caminhos ou até mesmo persuasão, a fim de conduzir as ações de seu alvo para que ele preste as informações que deseja. Kevin Mitnick, famoso ex-hacker norte-americano e atual consultor de segurança digital, afirma ser o fator humano o elo mais fraco de um sistema de segurança.


Explica-se: em que pese poder ser um sistema totalmente impenetrável, a existência de pessoas atuando por trás o torna frágil. A Kevin Mitnick é atribuída a afirmação de que é mais fácil ludibriar alguém para que forneça sua senha do que fazer o esforço para hackeá-la. E essa é a ideia da engenharia social. Estamos pois, diante de terreno fértil para um habilidoso stalker, mais especificamente, de um ciberstalker


A atuação de um stalker, valendo-se de técnicas de engenharia social, pode ser até mesmo considerada singela. Todo cuidado é pouco com as informações que você disponibiliza na rede.


Na série, Joe descobre a imensa maioria de informações sobre Beck com pesquisas no Google e redes sociais. Analisando suas fotos, lugares que frequenta, amigos, Joe deduz seus hobbies e traça o perfil de sua vítima. Além disso, Joe forja encontros com a escritora, fingindo estar nos lugares por simples coincidência. 



Técnicas do engenheiro social


Beck é stalkeada de uma forma tão sutil e ardilosa, que ela não percebe o que está, de fato, acontecendo. Joe se aproxima dela numa verdadeira empreitada de engenharia social.


Será que você perceberia a atuação de um stalker habilidoso? Existem técnicas estudadas pela engenharia social que fazem com que a pessoa passe as informações desejadas de modo totalmente espontâneo.


Técnicas como leitura quente, leitura fria e leitura corporal são exemplos de habilidades na qual o agente “lê” sua vítima, ganhando sua confiança e fazendo com que preste informações do seu interesse. 


A título de exemplo de leitura fria, leia as seguintes afirmações e analise o quanto elas se aplicam a você: 

Você tem uma necessidade de ser querido e admirado por outros, e mesmo assim você faz críticas a si mesmo. Você possui certas fraquezas de personalidade mas, no geral, consegue compensá-las. Você tem uma capacidade não utilizada que ainda não a tomou em seu favor. Disciplinado e com autocontrole, você tende a se preocupar e ser inseguro por dentro. Às vezes tem dúvidas se tomou a decisão certa ou se fez a coisa certa. Você prefere certas mudanças e variedade, e fica insatisfeito com restrições e limitações. Você tem orgulho por ser um pensador independente, e não aceita as opiniões dos outros sem uma comprovação satisfatória. Mas você descobriu que é melhor não ser tão franco ao falar de si para os outros. Você é extrovertido e sociável, mas há momentos em que você é introvertido e reservado. Por fim, algumas de suas aspirações tendem a fugir da realidade.

A grande maioria das pessoas entende ser altamente aplicável a si, de acordo com experimento realizado pelo psicólogo Bertram R. Forer (1914-2000). Forer concluiu, dessa forma, que a maioria das pessoas tendem a aceitar descrições pessoais gerais e vagas como se fossem exclusivas a si, sem notar que a mesma descrição pode ser aplicada a várias pessoas.


E essa é uma habilidade dominada por quem pratica engenharia social, como forma de ganhar a confiança de seu alvo. 


Existem outras técnicas de engenharia social muito comuns, utilizadas principalmente por golpistas virtuais, mas que podem ser usadas com sucesso por um stalker obstinado, por exemplo:


  • Phishing: um falso e-mail é encaminhado à vítima, simulando comunicação de uma plataforma por ela utilizada, como uma rede social ou um banco, por exemplo. A vítima acaba respondendo o e-mail com as informações solicitadas ou acessando algum link indicado, e, com isso, baixando um malware.

  • Vishing: é o phishing feito por voz, ou seja, pelo telefone. 


Agora, faça o seguinte raciocínio: se alguém que não sabe nada sobre você, é capaz de te levar a crer que sabe, através das citadas técnicas de engenharia social, imagine aliar a isso o acesso a seus dados, disponibilizados por você nas redes?



Precauções


Um stalker habilidoso e observador pode descobrir informações importantes, deduzidas de condutas simples. Vejamos:


  • Horários que você costuma ficar online. Stalkers são observadores, perspicazes em perceber padrões em suas vítimas. Ficar conectado sempre nos mesmos horários pode permitir que ele identifique algumas vulnerabilidades suas.

  • Realização de checkins: permite que o stalker saiba, além do local que você está, horários que você não está em casa (e aqui podem agir até outros cibercriminosos, interessados em dar golpes em você e em sua família). O mesmo vale para confirmações de presença em eventos abertos ao público ou “nome na lista” de publicações abertas.

  • Publicações de fotos em tempo real, indicando os lugares e as pessoas com que você está: uma boa dica para quem adora publicações desse tipo é fazê-la posteriormente, de modo que o horário da publicação não coincida com o horário que você está lá de fato. 

  • Configurações de publicidade de suas redes sociais: manter informações como telefone, e-mail e lista de amigos no modo privado dificulta a atuação do stalker. Seu amigo pode não ser tão cuidadoso quanto você e, através de suas publicações ou nelas marcando você, acabar entregando os lugares que você frequenta e outros dados úteis ao stalker. Além disso, técnicas como phishing, que falamos acima, são usadas pelo criminoso que possui acesso a seu e-mail ou telefone.

  • Publicação de fotos da família deixam claro ao stalker quem é quem em sua rede de relacionamentos, identificando suas vulnerabilidades.


Na série, Beck demora a perceber que Joe é um stalker, como pode acontecer em casos em que o agente ganha primeiro a confiança da vítima com técnicas de engenharia social.


Porém, chegará o momento em que o alvo perceberá a atuação do stalker e se sentirá compelido a adotar providências.


A vítima tem sua liberdade tolhida: mensagens frequentes, comentários em redes sociais, inexitosas tentativas de bloquear o stalker, ameaças. Uma série de danos são sofridos pelo stalkeado, que se sente, de fato, ameaçado e perseguido.



Crime?


O estado da Califórnia foi um dos primeiros a criminalizar a conduta do stalker, na década de 90, tendo em vista o grande número de situações dessa espécie.


Por outro lado, de acordo com Bruno Bottiglieri, no livro Stalking (edição do Kindle), apesar da lei californiana ser conhecida por fornecer uma rápida resposta ao crime, foi a Dinamarca uma das pioneiras na criação da legislação anti-stalking, ao prever em seu código penal expressamente o forfolgese (stalking em dinamarquês).


Além disso, a legislação dinamarquesa prevê medidas protetivas e restritivas fins de proteger a vítima. Países como Reino Unido, Japão e Portugal também já tornaram crime o stalking.


A legislação brasileira ainda não prevê o stalking em si como crime. Atualmente, a conduta é configura mera contravenção penal de perturbação da tranquilidade (art. 65 da Lei das Contravenções Penais):

Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou por motivo reprovável:Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa […]

Além disso, outros crimes podem se configurar, como constrangimento ilegal (art. 146, Código Penal) ou ameaça (art. 147, Código Penal). Discute-se, ainda, a possibilidade de aplicação das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha, quando atendidos os requisitos dessa legislação (vítima mulher e no âmbito de relações domésticas).


Porém, há projeto de lei que visa tornar crime tal conduta.  O jurista Damásio de Jesus já defendia, em 2006, a necessidade de prever tal figura delitiva. Ao descrever stalking, Damásio o identificava como “uma forma de violência, na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos”.


Identifica, ainda, as seguintes características:  1.ª) invasão de privacidade da vítima; 2.ª) repetição de atos;  3.ª) dano à integridade psicológica e emocional do sujeito passivo; 4.ª) lesão à sua reputação; 5.ª) alteração do seu modo de vida; 6.ª) restrição à sua liberdade de locomoção.


Se aprovado tal projeto de lei, o Código Penal passará a prever o stalking como o crime de perseguição

Perseguição
Art. 149-B. Perseguir ou assediar outra pessoa, de forma reiterada, por meio físico ou eletrônico ou por qualquer outro meio, direta ou indiretamente, de forma a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de ação ou de opinião:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa.
Aumento de pena
§ 1° As penas aplicam-se cumulativamente e poderão ser aumentadas até metade quando houver o concurso de naus de 3 (três) pessoas, ou se houver o emprego de arma.
§ 2° Aplica-se a majoração de pena prevista no § 1° quando houver violação do direito de expressão.
§ 3° Aplica-se o disposto no § 1o quando o agente, por meio eletrônico ou telemático, simular a atuação de várias pessoas na conduta prevista no caput.
§ 4° Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.
Forma qualificada
§ 5° Se o agente foi ou é íntimo da  vítima:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.


O que fazer?


Apesar de ainda não estar aprovado o projeto de lei que torna crime a atuação do stalker, nada impede que a vítima adote providências contra ele. É possível munir-se de provas de sua atuação, tal qual prints de telas, áudios, fotos, que poderão ter sua autenticidade atestada por um tabelião de notas (que lavrará uma ata notarial) e, após, registrar um boletim de ocorrência numa delegacia policial.

 

Além disso, existem decisões judiciais que reconhecem a responsabilidade civil do stalker, condenando-o a ressarcir a vítima.


A tecnologia melhorou, e muito, diversos aspectos nossa vida. Porém, como vimos, facilitou também a atuação dos stalkers. No nosso post Big Brother da Sociedade Digital, já tínhamos salientado que

“Ignorar as implicações da sociedade digital não as farão deixarem de existir. Apenas facilitará a captura de dados por terceiros não necessariamente autorizados.”

Então, adotar medidas que nos preservem minimamente nesse mundo digital é a providência mais acertada.


Gostou do tema? Já passou por alguma situação envolvendo o stalking? Deixe sua opinião sobre o assunto nos comentários!

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